" E tenho saudades do mar. Do mar,do cheiro,do toque, da água, da transparência, da cor, do avassalador, do desmesurado, do sal, do vento, do movimento, do vazio, do cheiro, da quietude, da areia, do silêncio embrulhado no barulho, de tudo.
E meto-me no carro e vou ter com ele. A viagem é pouco mais que curta e agrada-me. Gosto de ir sozinha, de não ter que emitir sons que se transformem obrigatoriamente em palavras, gosto da música, porque a escolho, gosto do verde da paisagem, da textura do caminho, gosto da sensação de estar cada vez mais perto, Gosto do mar principalmente durante o Inverno, todo aquele quadro parece que está só à minha espera para se sentir completo. Gosto, e como, devoro com necessidade e gosto. Sentada, sinto a areia, sinto a sua água, sinto um grio que me gela a espinha e faz a simbiose acontecer. Perco o olhar no horizonte, na linha do horizonte, a linha imaginária à altura dos olhos que separa a parte superior da parte inferior da visão, perfeita quando o céu toca no mar, porque qualquer que seja a altura em que se observa o horizonte está sempre na altura dos olhos do observador. Sou o observador. Sinto o vento com violencia na alma, como se no sótão do insconsciente estivessem estendidas cordas e cordas de roupa, hotel memória, que aquele ar salgado seca a uma só passagem, deixando cheiro e sabor a maresia. Sinto o som das gaivotas a fazer poesia, e o resto do mundo a envolver tudo com o seu bater estranho compasso.
Depois cai a noite e eu caio em mim, tudo muito devagar, depois de eu ter ficado esquecida ali por várias horas. Não me perguntem em que penso, porque não sei. Talvez a magia resida exactamente nisso, não pensar, apenas sentir, sentir-me parte, sentir gratidão por existir, sentir que as coisas até conseguem fazer sentido, uma onda depois de outra onda, depois de outra onda, apenas sentir. Esquecer as palavras, as minhas e as dos outros, apenas sentir-me, palpar-me, encontrar-me, ou mesmo perder-me ainda mais...Às vezes estou tão à toa que não passo de um rio à procura de um lugar para desaguar. Para desaguar a tristeza, e melancolia e a solidão, que meto dentro de uma garrafa, fecho cuidadosamente, atiro para longe e espero que vagueie à deriva em alto mar, sem nunca chegar à palma de uma mão, pois prefiro que ninguém saiba que uma vez por outra me sinto tão vazia como o vazio daquela garrafa.
Mas, se alguém alguma vez encontrar uma das minhas garrafas, peixe de vidro que consegue respirar fora de água, depois de caír no vazio, encontra um sorriso que apenas tenta dizer que por instantes estive mais leve ou quase feliz. Mas primeiro, primeiro tem de caír no fundo do mar, tem de voltar a sentir uma vontade inabalavel de respirar outra vez"
Excerto do Livro - A Solidão dos Inconstantes - Raquel Serejo Martins
Já o li há uns tempos e Adorei este livro, identifico-me em muitas coisas que nele me fazem mergulhar dentro de Mim e ficar feliz por ter chegado a esta vontade inabalavel de "respirar" outra vez.
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminar